Figurinhas bissextas, por Fernando Volpi
Já estamos novamente às voltas com as visões fellinianas e bissextas dos famosos “foi ideia minha”, os que pegam carona em boas iniciativas de terceiros e as tomam como plataforma para tentar convencer o eleitor de que são os candidatos certos para esse ou aquele cargo. “A reforma da ponte? Eu consegui a verba”, vomita um. “Aquelas placas sinalizadoras? Eeeeeeeeeuuuuuuuuuuuuu mandei fazer”, brada outro. Enquanto isso, o verdadeiro autor está bem longe de ser reconhecido porque as figurinhasbissextas (vou repetir muito essa expressão), quase sempre ausentes na maior parte do tempo entre anos eleitorais, reaparecem do nada ou dos pântanos para serem vistos em inaugurações, solenidades cívicas, festas religiosas, em toda ocasião, enfim, que represente voto. Sub-repticiamente, apropriam-se da autoria das obras, exatamente das obras mais expressivas e que sejam vistas por todos, em pontos de grande tráfego para que as pessoas associem aquela benfeitoria ao seu “autor”, inda que indebitamente.
A figurinha bissexta tem a cara de pau do picareta de automóveis, uma grande facilidade de convencer, alguém capaz de vender para a mesma pessoa o mesmo carro várias vezes. Um ator, uma raposa, um abutre que chafurda em suas imundas mentiras e armações. A figurinha bissexta vai e vem, nunca desaparece totalmente – como, aliás, seria desejável. De preferência, que desaparecessem para sempre, se extinguissem, como se uns fossem ospredadores dos outros, vorazes, insaciáveis, inexoráveis. Seria ainda melhor se mergulhassem no ácido ou numa bosta cáustica despejada por seus semelhantes.
Todo governo tem um titular. E, cada titular, uma boa equipe gestora e consultora. Portanto, o mérito pela realização de uma obra ansiada pelo contribuinte é de muitos, inclusive do próprio contribuinte, nunca de um só. Não há – nem pode haver – titularidade exclusiva no êxito da prestação do serviço público ou privado. Um simples chafariz inaugurado numa praça frequentada por desocupados, cachorros e urubus é crédito de uma equipe, resguardadas apenas as responsabilidades específicas de acordo com o grau de participação. Da mesma forma, a restauração ou a recuperação de um patrimônio público de grande porte também é obra atribuída a uma equipe. Portanto, se ao Alcaide eleito compete inaugurar e por isso receber, justamente, os panegíricos encomiásticos provenientes de todo lado, os dividendos políticos, devemos reconhecer que naquela tesourada na fita inaugural estão representados os esforços de quem realmente cooperou de maneira efetiva e legítima: a equipe. Mas, trata-se da equipe do cotidiano na ação pública, pessoas que são vistas em todos os momentos mais importantes da administração, assumindo todos os riscos, do sucesso ao fracasso, e não apenas do êxito.
As figurinhas bissextas continuarão por aí, reaparecendo para as inaugurações, escancarando a boca nem sempre cheia de dentes, exibindo a cara-de-pau forjada em sua flagrante e indisfarçável ambição. Mas o povo já está aprendendo que em casa de ferreiro o espeto pode não ser para churrasco e que não é em toda eleição que a costela estará tão suculenta para justificar um “penetra” bissexto. O risco pode remetê-lo ao banheiro e fazê-lo ir com a descarga para o coletor da Embasa. Com todo respeito, naturalmente.
O autor Fernando Volpi é secretário do Turismo e Esportes de Canavieiras